10 de agosto de 2013

À flor da pele

Fotografia por Arthur Castro.  FocosPro

Acabo por findar meu dia
Com o sentimento de chão não ter
Tempo bom era na calada da noite
Em que tempo não parecia haver
Para ser turista de minha fantasia

O dever nem sempre equivale a minha obrigação
Às vezes, penso que devo
Outros momentos finjo que não

Sou obrigada a ser quem sou
Mesmo que o meu eu
Transborde de mim

O tempo me diz
Que os ponteiros ainda demoram a se encontrar
A hora da partida
Sempre requer a passagem por um piscar
A chegada sempre ecoa como o canto dos deuses

Mas quem dirá o que é o tempo?
Essa estranha forma de medir o rumo e o tamanho das sensações
Esse retrato em preto e branco das recordações
Esse destino que se afasta do princípio
E que mata cada minuto, lentamente

Penso nas palavras mal-ditas
Nos beijos não-roubados
Nos abraços repugnados
Nas lembranças esquecidas
Na matéria da vida
Que vida não há de ser

Sinto que sou única e imperfeita
Escultura sem acabamento
Mão de obra cara
E trabalho mal feito

O que restou de mim foi esta pobre alma
Que o tempo não conseguiu apagar
E que clama incessante
Por ter momentos mais sutis
Das alegrias mais diversas

Simplicidade é amar
Mesmo antes de descobrir toda a verdade
Do karma que te traz aqui:
E que forma de amor é essa
Em que se oferece o que não se recebe
E se recebe o que não se quer ter?

Antes mal-amado do que amando mal
É triste não ter abrigo para meus olhos
É estranho ser um objeto banal
Dos olhos que não estão em mim

Jamais “discutirei Caetano”
Ou pularei da janela do “Oitavo andar”

Viverei na paz de mim
Morrerei no percurso de cada dia
Serei fiel as minhas últimas regalias
De pronunciar o que quiser
Escrevo porque falar já não sei mais
Uma parte de mim se trancou no escuro
O outro lado ainda procura a luz

Que a humanidade me perdoe
Mas ninguém sabe desse trauma
de viver com a pele
tão a flor assim.

Júlia Helena





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