Não consigo compreender a minha própria e velha teoria. O que nos leva
a lutar tanto pela vida e seus prazeres? Vejamos como começa:
“Primeiro vem uma sementinha que cresce na barriga da sua mãe e...”, enfim,
não vou tentar enganar-te como fizeram quando era criança. Espero também que as
crianças (criaturas com inocência e pureza desta fase da vida) não leiam esse
texto. Não é meu objetivo arruinar o passado, o presente ou as futuras ilusões
de ninguém.
Então, irei ser bem objetiva no que tenho a dizer, mesmo que isso,
certas vezes, se contraponha as minhas ações- nascer é uma agressão. Neste
momento, você meu caro leitor, deve está achando que minhas humildes palavras
tratam-se de um ato de loucura ou simples devaneio de minh’alma.
Sabemos que gerar vida é um processo que naturalmente acontece para a permanência
da espécie, ou pelo menos, para um
protelamento de uma raça mais decente que a nossa. Mas este não é o caso. O ato
sexual, embora o prazer que o arrodeia, também é uma agressão. Alguém já parou
para pensar qual o sentido que rege os seres humanos para sentir sensações tão
boas em situações plenamente esquisitas? Sim, porque não sei se a sua memória é
falha, mas por volta do sexto ano da sua vida, uma das coisas que você considerava
como sendo feio e nojento era um beijo. Imagina-se então, quando
primordialmente começa a dificuldade dos pais de falarem sobre sexo com seus
filhos.
Você cresce, e começa a descobrir algumas coisas por si só, apenas por
extinto, outras pelas bocas das esquinas e informações trazidas por bilhetes de
pombos carteiros que chegam a sua janela. Você descobre também que saber de
tudo isso, já não te faz mais tão criança assim.
Retornaremos um pouco da história para o nascimento... Depois do ato
sexual, infelizmente ou felizmente, pode-se ter a sorte ou o azar de se gerar
um embrião. Não me julguem mal, porém, como disse no início, a teoria também
está tentado assassinar o seu próprio criador. Falo do azar porque esbanjar
amor, paciência e carinho não é tão fácil assim. É simples entender se eu
citar-te uma pequena frase que li um dia desses- “ As crianças fazem-se com
amor e precisam de amor”.
Entretanto, não se pode deixar de recordar também os casos em quais o
ato sexual não foi de livre e espontânea vontade. Nem vou entrar no aspecto
financeiro, pois nas atuais condições do capitalismo e no país em que vivemos,
isso me faria render algumas páginas a mais.
Pois bem, de uma hora para a outra, começa a surgir um novo ser. Na
verdade, não só um, mas vários outros novos seres. A pessoa que carrega a tal
“sementinha” em seu ventre também já não é a mesma e nunca conseguirá voltar a
ser o que era, sem pelo menos alguma sequela deste acontecimento. Por menor que
seja, este pequeno ser irá fazer alguma interferência no mundo, seja para o bem
ou para o mal.
Entramos então na parte da segunda agressão, a gravidez. Imagine o que
se passa na cabeça de uma mulher quando o seu “trauma” da vaidade é afetado.
Não sei exatamente o que acontece ao certo, mas creio que esse aspecto seja
bastante afetado. Só o que nos faz compreender internamente e, ao mesmo tempo,
desistir de tentar entender a razão para esta tamanha mudança física, é a
sabedoria da natureza. Tudo é feito de forma cautelosa e perfeita, na hora
certa, de forma impecável e com a quantidade calculada milimetricamente.
Nove meses se passam (às vezes, por ironia do destino até menos) e
chegamos na fase da terceira agressão- a expulsão.
Agora, meu caro, você irá deixar de receber a comidinha na boca.
Ninguém vai respirar mais por você. Vai ter também que andar com as próprias
pernas. No mais, faria uma apresentação mais aconchegante, só que disse que
iria ser fatídica. Bem-vindo ao mundo. Aqui é onde você vai completar toda a “roda
da vida”, sim, porque tudo aqui é redondo. Os matemáticos diriam que isso não
passa de mais uma analogia barata, uma vez que falam por ai que um círculo não
tem fim. Pois eu e todo o meu atrevimento, digo que tem. Você realmente quer
saber onde fica o derradeiro segundo da sua existência? A resposta é a mais
óbvia possível- quando você volta para o início, ou seja, para o nascimento. E
o nascimento não passa de mais uma etapa da morte, uma vez que tudo tem início,
meio e fim. Você se lembra de quando nasceu? Tecnicamente não, porque sua mente
tende a esquecer as agressões. Esquecer muitas vezes quer dizer “não querer
lembrar”, pois vale ressaltar mais uma vez que nascer é efetivamente uma
agressão. Se somos gerados a partir de uma agressão, nascemos com uma agressão
e morremos agressivamente, a solução é fazer valer a pena o resto de tempo que
nos sobra. Para provar-te mais uma vez que não sou a única com essas ideias malucas,
lembro-te da “Roda viva” de Chico Buarque e da seca de Graciliano Ramos. A
agressão está presente no nosso cotidiano, espontaneamente.
O único problema, é a agressão que condensa o cérebro. Estamos
acostumados a agredir. Achamos natural sermos agredidos. O amor agora é o
estranho. O carinho é feio.
O único intento que me resta
agora, é apetecer a minha alma e encontrar alguma forma hipócrita de amar.
Porque amar verdadeiramente já não tem mais sentido.